quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A VIOLÊNCIA DESFOCADA

A superexposição do crime, faz com que atos isolados ganhe
proporções gigantescas a ponto de tornar a sociedade
 refém do medo. 
Há mais de 30 anos, Leonel Brizola, o falecido ex-governador do Rio de Janeiro defendia que há dois tipos de violência: a provocada pela “explosão” juvenil, e aquela que vem de cima para baixo. Brizola não aceitava a ideia de tratar os jovens como criminosos, depois de muitos deles serem mortos por policiais. “São jovens sem amparo e jogados à própria sorte, sem orientação e educação, que se misturam a outros” – dizia. O ex-governador atacou a violência de cima para baixo, sobretudo a divulgada pela televisão. Para o político,  é preciso entender que há o crime organizado, e a cultura da violência no país começou a partir da revolução de 1964. “Há grupos criminosos que se sustentam do crime.” Á época Brizola chegou a atacar: "O Rio de Janeiro não fabrica armas, não fabrica drogas; as drogas do Rio vem de São Paulo, que vem da Bolívia". A fala de Brizola é, de fato, uma denúncia sem ressonância há muito tempo. Levanta-se suspeita de que há algo muito maior, grandes interesses por trás da falta de fiscalização e repressão no núcleo do problema, deixando transparecer que todo o trabalho de combate é apenas um bem elaborado faz de conta. 
Homem é imobilizado após arrastão em praia do Rio de Janeiro

Esses dias me surpreendi com a pergunta do meu filho: “Pai, por que os criminosos não acabam, se a maioria das pessoas quer o bem?”
Essa pergunta me fez lembrar um pensamento que se passava em minha cabeça quando assistia a umas cenas de crimes e guerras de tráfico explorado pela televisão durante muitas horas, de cenas repetitivas. Parecia que não havia outra saída; ninguém via o outro lado da cena. As câmeras focavam a guerra do tráfico, dando a ela uma dimensão extraordinária, supervalorizada. Olhando em volta, as pessoas iam e vinham para o trabalho; a vida do outro lado parecia continuar em uma suposta paz. Mas as cenas de terror e o alardear de atos criminosos, espalhavam o pavor colocando as pessoas umas contra as outras; ninguém ousava olhar em direção do outro com medo do que podia acontecer. É quase comum que pessoas se sintam inseguras num ponto de ônibus, por exemplo, quando alguém se aproxima. 

É verdade que o bem deixa de influir porque destaca-se demasiadamente o mal e os erros. Volto a citar Brizola: “O perigo da televisão é o foco. Foca uma pequena parte de areia e diz que é o deserto.”São cenas isoladas que correm o mundo inteiro. O crime organizado é um "mundo paralelo" ou um submundo, dentro de nossa sociedade e obviamente afeta diretamente a quem está ligado a seus interesses e indiretamente aos cidadãos comuns que são atingidos sem terem participação ativa ou responsabilidade sobre as ocorrências.  
A TV aberta encerra o dia com notícias de violência
Hoje em dia há a necessidade  de  as autoridades mostrar serviço para a população em geral, afetada por essa minoria criminosa que provoca estragos sociais consideráveis, prendendo criminosos, tirando-os de circulação e nada mais que isso. O governo fala em construir presídios e aumentar o policiamento nas ruas, mas verdadeiras causas não são combatidas paralelamente. Quando se fala em segurança pública, defende-se mais equipamentos e armamentos e a contratação de mais policiais. É o mesmo que contratar médico e não ter hospitais. A redução da maioridade penal defendida por muitos para evitar que menores pratiquem crimes, poderá ser apenas um atestado de responsabilização, sem nenhum efeito preventivo.
Apesar de importante, a ação é apenas paliativa. O combate ao
transporte de drogas não é o combate da produção. 

A violência não deve ser tratada apenas pela ótica das consequências e dos traumas sociais – pois discutir o efeito pode desviar o olhar de algo mais profundo-, mas observar os diversos fatores desencadeantes de atos violentos e criminosos tão explorados pelos programas policiais (que não tem outra função a não ser de fomentar a revolta de quem assiste),  a crítica à justiça acusada de não cumprir seu papel diante das novas tipificações, diferente do que se praticava no passado.
Se há novas modalidades de crimes, vale salientar e observar, como o avanço da sociedade tem estimulado a prática cada vez mais horrenda de crimes, estampadas nas páginas policiais. A supervalorização do crime acaba passando a ideia de que há uma generalização pelo enquadramento que as câmeras de televisão mostram, gerando uma sensação de pânico, tornando pessoas de bem reféns de seus próprios medos. A espetacularização de crimes bárbaros, que exaltam a periculosidade de um assassino, parece não chocar tanto e não ser tão abominável, pelo aparato e a proteção policial que é dada ao criminoso com grande escolta, um prato cheio para apresentadores de televisão sensacionalistas que reivindicam sua exclusividade na veiculação de suas reportagens.  O foco é o criminoso, não as vítimas que ele fez, o histórico de cada uma delas; o impacto do crime sobre a família, entre outras coisas. Não existe nenhum aconselhamento ou orientação sob o ponto de vista comportamental no que tange à importância do papel da família na criação dos filhos, o ensinamento de valores e o estabelecimento de limites. É a notícia pela notícia do jeito que querem mostrar. A sobrevivência pela miséria humana.
Certa vez um criminoso que foi preso pela polícia foi entrevistado por um desses repórteres policiais e surpreendeu quando disse ao jornalista: “Vocês devem me agradecer porque eu estou dando trabalho para vocês.”
Ação da polícia mostra o descontrole do Estado no trabalho real
de combate ao crime. 



Parece um absurdo, mas a criminalidade, o tráfico de armas e drogas sustenta muita gente. O crime acaba compensando para alguns, até que não sejam diretamente afetados.  Não é possível que um fato repudiante pela população em geral, continue em plena atividade como uma máquina. E nós, nos tornamos apenas espectadores reféns,  manipulados pelo que a televisão quer mostrar em seus noticiários, desviando o olhar de outras necessidades ignorando o contexto que explica determinadas situações, sem que haja trabalho conjunto para o combate ao crime e à violência em sua causa mais profunda. 

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