domingo, 17 de agosto de 2014

GANHA QUEM PERDE

Já imaginou se o conceito e a realidade  do ganho  fosse a perda? E que os reais vencedores fossem os que perdem, não os que ganham? Se o princípio da riqueza fosse o compartilhamento, não a retenção de bens? E que vencer na vida consistisse na negação do “ego” em vez de acentuá-lo pela capacidade e o sugestionamento de competição? E que o verdadeiro vencedor não é aquele que vence todos os obstáculos, mas aquele que sabe respeitar seus próprios limites e reconhecer seu real valor? Diante disso, que cenário poderíamos  visualizar no mundo? Seria de pessoas plenamente realizadas pelo sentimento de serem úteis umas as outras, ou de frustração pelo fato de entender que para ganhar é preciso que o outro perca? Mas o que temos a perder? De que maneira o que temos  a  perder nos ajuda a ganhar? Seria a retenção de algo que de algum modo pudesse ser favorável aos outros pelo simples fato de ser compartilhado?

Talvez não há ganho maior na vida do que a certeza de que seu pão foi granjeado honestamente sem fazê-lo faltar na mesa do outro; que o emprego que você conquistou foi pelo espaço aberto ao seu serviço por mérito e competência, sem o peso na consciência de que sua admissão custou a demissão de alguém por sua causa; que o teto que lhe abriga não custou o sangue nem o suor inocente; que sua ascenção ou status não foi fruto da usurpação dos direitos de alguém; que a sua vitória não custou o fracasso dos que também lutaram.  Mas há os que mantem a roupagem em ordem apenas para esconder a nudez moral.Há os que são incapazes de despir-se de seus cuidados e interesses para que o manto da justiça o envolvam. 

O essencial para a vida é tão natural que não se pode rebaixá-lo à categoria de “ganho.” Ganhar sugere disputa, enfrentamento, competição e, em quase todos os aspectos, esse ganho tem caráter unicamente pessoal, para alimentar o ego, ou para representar um grupo distinto ou uma classe, que de igual modo entra em competição porque há outros competidores. Que vantagem poderá trazer a não ser tornar o que se chama “vitória” algo que depende da derrota alheia?

Os verdadeiros ricos, prósperos e vencedores, talvez não sejam aqueles que ostentam o ouro e os bens acumulados; pode ser que os vencedores não sejam aqueles que estamos acostumados ver subir ao pódio, sendo aclamados pela multidão. Nem sempre a riqueza é vista; nem sempre o vitorioso é aquele ovacionado em meio ao burburinho de espectadores.

O plano espiritual ensina valores altamente profundos que foge ao olhar comum, daquilo que estamos acostumados a ver e ouvir.
Enquanto muitos estavam preocupados com as coisas da vida, o que ganhar, e o que poderiam perder, Jesus chamou a atenção dizendo:
“Por  que  vocês estão preocupados com a sua vida, com o que vão comer ou beber? Olhe as aves do céu que não plantam e não colhem, mas o Pai Celestial as sustenta. Vocês não valem mais do que as aves?”
No plano de Deus, perder é ganhar (S. Mateus 16).

Deixar de lado a autoconfiança e confiar em Deus, pode significar livrar-se de uma queda nos precipícios da vida; arrefecer o apetite pode livrá-lo de um prato de guloseima envenenado. Fechar as avenidas da confiança na própria força é proteger-se das guerras exteriores. O vencedor é sempre aquele que consegue aniquilar sua própria vontade movida pelo egoísmo e orgulho pessoal capaz de levá-lo à ruína. Perder o preconceito para ganhar um novo olhar; perder o atrevimento da autosuficiência e ganhar paz de espírito e serenidade. É preciso fazer uma introspecção e admitir o que temos perdido e o que temos ganhado e colocarmos na balança o que de relevante obtemos. É preciso sempre abrir mão de algo para obter outro. É preciso ouvir-se. Sentir-se para reconstruir-se; refazer o olhar; retomar a vida. Isso pode significar a "desconstrução" ou a perda de conceitos para ganhar uma vida de novidades. 
Quando nos apercebemos desse conceito e vivemos de acordo com essa sugestão, deixamos a mesquinhez para aproveitar, de fato, a grande riqueza da vida. Somos menos egoístas e o altruísmo começa a fazer efeito em nós, porque passamos a entender que há algo infinitamente maior do que a nossa maior necessidade ou querer à nossa disposição, enquanto que as preocupações e as disputas pelo pedaço de pão ou de terra que queremos reter faz com que sejamos perdedores pelo desconhecimento de que nossa força é tão limitada, que não podemos acrescentar um dia em nossa existência.

Certa vez um jovem estagiário em início de trabalho numa empresa foi solicitado pelo chefe para ir ao bar da esquina comprar-lhe um cigarro.

O jovem negou-se a comprar cigarro para o chefe, dizendo a ele que não o faria por seus princípios, explicando que o mal que não quer para si, não deseja ao outro, e não gostaria de ser colaborador do mal que o cigarro poderia causá-lo. O rapaz foi informado depois nos corredores que ele não deveria ter feito isso porque comprar cigarro era algo que todo estagiário no primeiro dia de trabalho era solicitado a fazer e ninguém ainda havia se  negado a fazer o "favor" para o chefe.
Ao ser chamado no outro dia o jovem temeu pelo pior, mas o chefe olhando firmemente para ele disse que a atitude do rapaz o havia marcado muito, pelo fato de ter negado algo ao seu superior, mesmo correndo o risco de desagradá-lo.
Quando não temos medo de perder, é que demonstramos ser que somos vencedores, mesmo sem entrar numa competição. É estarmos conscientes de nossos atos e agirmos em conformidade com a nossa consciência, sem passar pela nossa cabeça que tal atitude poderia nos tirar  o conforto, o emprego, o dinheiro. Somos vencedores quando não abrimos mão de nossos princípios para dar lugar a justiça e a honestidade.

Isso significa deixar de pensar em nós mesmos como o centro, mas como parte do todo que precisa funcionar adequadamente, mesmo que essas ações tornem dividido o sistema do qual participamos. O desajuste torna-se o ponto de equilíbrio, onde podemos observar que nem tudo está perdido. É um ponto de referência onde se percebe que o serviço em favor próximo ou do grupo do qual fazemos parte é o princípio da conquista em todos os segmentos. “É ajudar a carregar as cargas uns dos outros.”


É importante sabermos o que podemos perder, para sermos grandes ganhadores. De que precisamos abrir mão, para vencer o nosso próprio egoísmo e amor próprio exagerado, capaz de cegar a compaixão. É importante sabermos, o que podemos deixar ir, para que sobrevenha a nós a riqueza da operação do invisível, manifestando uma vida de fé e confiança não naquilo que vemos, mas no que não vemos e que há de vir. 

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